Universidades como a USP tem um papel econômico muito importante para a classe dominante agregando valor através das pesquisas, mas cumprem também um papel político e ideológico muito importante na sociedade. Em que pese todo o discurso de inclusão, pertencimento e diversidade da atual gestão é inegável que a USP carrega nesses 90 anos desde a sua fundação em 1934 o elitismo e o racismo como marcas profundas da sua constituição até os dias de hoje. A USP nasce em meio às disputas dentro da própria classe dominante brasileira sobre qual seria o projeto de país que se desenvolveria após a proclamação da República. Nesse marco, a USP é criada em um país semicolonial, com uma economia extremamente dependente de commodities, com baixo nível de urbanização na época e construído em base à manutenção de mais de três séculos da escravização da população negra e africana.
QUAL PROJETO DE PAÍS A ELITE PAULISTA E A USP SE PROPUSERAM A CONSTRUIR?
É nesse contexto que a elite paulista herdeira da economia cafeeira e pioneira no processo de industrialização nacional busca apresentar o seu próprio projeto de país, incluindo os âmbitos político, econômico e ideológico, buscando torna-lo hegemônico e fazendo pesar a seu favor o papel econômico e político do estado de São Paulo, que seria apresentado como uma espécie de modelo de progresso para o restante do país. Júlio de Mesquita assim como Armando Salles de Oliveira como representantes da elite paulista encaram a construção da USP como uma continuidade da ascendência bandeirante e o seu “espírito de pioneiro e empreendedor” que teria na ciência uma arma para superar o passado associado diretamente à existência no Brasil de uma grande massa de trabalhadores negros e mestiços. Assim, não é um exagero dizer que a USP cumpre historicamente um papel muito importante do ponto de vista político e ideológico para a classe dominante e carrega na sua história de 90 anos os valores políticos, ideológicos de uma elite paulista bastante racista e elitista que se auto atribui o papel de liderança nacional desbravador e porta-voz “do progresso e da civilização” simbolizados nas imagens bandeirantes (diga-se de passagem assassinos dos povos originários e das negras e negros) espalhadas pela cidade e expressos nos brasões da USP, bem como da cidade de São Paulo (que carrega a consigna que em latim diz: “Não sou conduzido, conduzo”).
As ideias dessa elite paulista se organizaram politicamente no Partido Republicano Paulista e no Jornal O Estado de São Paulo (OESP), que expressavam parte do ideário dos fundadores da USP como Armando de Sales Oliveira. Em um de seus editoriais, OESP dizia: (…) “não é das mais desejáveis a contribuição de pretos americanos para o caldeamento de raças no Brasil. (…) o contingente preto, nesse momento, será mais nocivo do que útil à obra de civilização em que estamos empenhados. Precisamos de gente para os nossos sertões, mas de gente capaz de melhorar, em todos os sentidos, a população do paíz. Não temos preconceito de cor, mas somos obrigados a confessar que os pretos não constituem fortes elementos de civilisação, nem garantem à raça typos aperfeiçoados physica, mental e moralmente. (…) Será muito formosa, mas sem dúvida é mais arriscada que formosa, a missão de hospedeiros de raças decahidas, retardatárias, perseguidas ou infelizes. Não a queremos para nós, que recebemos da Providência a tarefa de povoar um território riquíssimo e de constituir uma grande nação, coisas que só poderão ser logradas com massas humanas de primeira qualidade que já provassem a sua capacidade civilizadora. (…)” Jornal O Estado de São Paulo, 1929. (Citações retiradas da tese “Um projeto civilizatório e regenerador: análise sobre raça no projeto da Universidade de São Paulo” de Priscila Elisabete da Silva).
Reconhecendo a força da luta negra no Brasil e internacionalmente com enorme atraso a USP decidiu implementar as cotas étnico-raciais em 2017, sendo uma das últimas universidades do país a adotá-las. Se hoje a reitoria da USP se vangloria de que 45,1% dos estudantes da graduação cursaram o ensino médio exclusivamente em escolas públicas, sendo 23,2% autodeclarados pretos, pardos e indígenas vale lembrar que antes da aprovação das cotas étnico-raciais a USP passou décadas reproduzindo o discurso de que a implementação de cotas com critérios raciais rebaixariam a qualidade da universidade e relativizando o peso do racismo bem ao sabor dos defensores da chamada teoria da democracia racial.
Antes dessa aprovação a reitoria da USP ignorou sistematicamente as propostas e a luta do movimento negro, em especial do Núcleo de Consciência Negra da USP que foi ameaçado diversas vezes de ser expulso da universidade. Além disso, a aprovação das cotas étnico-raciais foi antecedida também de processos pedindo a demissão por justa causa de trabalhadores negros da USP, diretores do Sintusp e processos a ativistas e estudantes que se engajaram nessa luta.
Hoje, a luta contra o filtro social e racial que é o vestibular permanece atual e necessária, além da luta por permanência estudantil. Além de ataques à moradia estudantil, a USP corta gastos com permanência, precariza os cursos que concentrar maior número de alunos negros e vindos de escolas públicas e sistematicamente busca mecanismos a lei de cotas raciais para a contratação de professores negros.
BASTA DE RACISMO NA ESCOLA DE APLICAÇÃO, CESEB E EM TODA USP!
Enquanto são aprovadas medidas como a homenagem póstuma com título de doutor “honoris causa” ao líder abolicionista negro Luiz Gama os casos de racismo continuam ocorrendo todos os dias na USP. Um exemplo gritante são os recorrentes e graves casos de racismo na Escola de Aplicação da USP que vem sendo relatados pelos estudantes, familiares e por coletivos negros na universidade. Em diversas unidades como na própria PRIP, CESEB entre outras os trabalhadores negros continuam sendo oprimidos pelas suas chefias, adoecendo física e mentalmente em decorrência da sobrecarga de trabalho. Os estudantes negros que são os que mais precisam da permanência estudantil continuam sem ter bolsas de estudo que atendam a demanda e sofrem com as consequências do sucateamento dos bandejões, creches e HU.
CHEGA DE SEGREGAÇÃO RACIAL E DE GÊNERO: BUSP JÁ PARA TODAS AS TRABALHADORAS TERCEIRIZADAS E TERCEIRIZADOS DA USP
É inacreditável mas até hoje as trabalhadoras terceirizadas, em sua maioria mulheres negras, moradoras dos bairros pobres nas proximidades da USP são as únicas da “Comunidade USP” que não tem acesso ao BUSP (Bilhete USP) para poder circular gratuitamente nos ônibus dentro da universidade tal qual os trabalhadores efetivos, estudantes e professores. Todos os dias centenas de mulheres são obrigadas a atravessar o campus a pé, embaixo de chuva, frio porque a reitoria se recusa a reconhecer um direito tão elementar. O Sintusp veio impulsionando junto a diversos intelectuais, parlamentares e entidades do movimento negro, sindicatos, movimento estudantil, movimento de mulheres o Manifesto contra a Terceirização e Precarização do Trabalho que conta com milhares de assinaturas exigindo a igualdade de direitos e salários (no caso da USP começando pelo BUSP) como parte da luta pela efetivação de todas as trabalhadoras e trabalhadores terceirizados sem a necessidade de concurso público. Insistimos que não é possível falar de inclusão sem acabar com essa verdadeira segregação racial e de gênero dentro da universidade!