Na última semana, fomos surpreendidos pelo Décimo Oitavo Documento do GT PRAA, no qual o Grupo anuncia sua dissolução, estabelecendo que as decisões sobre o retorno presencial ficarão a cargo do Reitor. Nós, do Sintusp, sempre fomos críticos ao GT PRAA, por considerarmos que sua composição era extremamente restritiva. Entretanto, a dissolução do Grupo neste momento não responde aos anseios da Comunidade Universitária de que ocorra um debate democrático acerca das medidas de proteção à vida durante a pandemia. No sentido oposto, aprofunda a centralização, ao deixar exclusivamente nas mãos do reitor qualquer decisão sobre o tema. Ainda assim, recebemos a informação que a reitoria realizará uma reunião com os dirigentes das Unidades nesta terça, dia 10, para tratar do assunto. Em face disso, encaminhamos essa carta aberta a todos os dirigentes, para expressarmos nossas preocupações e considerações sobre o tema do retorno presencial neste momento.
Causa-nos preocupação o tom de fim da pandemia que observamos nas declarações e medidas oficiais do governo do Estado, e que está presente nas entrelinhas do Décimo Oitavo Documento do GT já citado. A impressão é que as autoridades querem acabar com a pandemia por decreto. Em que pese a diminuição do número de óbitos em comparação com os meses anteriores, estamos longe de uma situação de controle. O mês de julho deste ano, por exemplo, contabilizou cerca de 32 mil óbitos. Esse número é maior que o verificado no pior mês da pandemia em 2020. Neste momento, temos ainda uma média de cerca de 1 mil mortes por dia! Para além do número de óbitos, que segue elevado, o número de novos casos não apresentou diminuição significativa. E temos ainda as novas cepas, particularmente a chamada variante Delta. De acordo com relatório apresentado pelo Instituto Adolfo Lutz publicado no último dia 1, cerca de 25% dos novos casos de covid da região da Grande São Paulo já são da variante Delta. Isso causa grande preocupação, tendo em vista que há indícios de que esta variante é mais resistente às vacinas, diminuindo sensivelmente a sua eficácia. Em todo mundo, sob o efeito dessa nova variante, observamos novos picos da pandemia em lugares que já avançavam para níveis de controle muito mais sólidos que os observados em São Paulo.
Nesse sentido, temos acordo apenas parcial com o enunciado no Décimo Oitavo documento, que é a justificativa utilizada para a dissolução do GT, de que “o avanço da vacinação no estado de São Paulo estabelece um novo patamar para as condições epidemiológicas da pandemia de Covid-19”. Se bem é verdade que a vacinação é uma condição muito importante para a contenção da pandemia, isso somente é verdadeiro considerando a imunização coletiva, e com o ciclo completo (duas doses ou dose única). O estado de São Paulo tem, de acordo com dados do site Vacina Já, cerca de 11.300.000 vacinados com o ciclo completo, o que corresponde a pouco menos de 25% da população do estado. De acordo com os estudiosos da área, somente após atingirmos cerca de 70 a 75% da população vacinada a pandemia começa a apresentar índices sustentáveis de controle. Vemos, portanto, que ainda falta um tempo para atingirmos esse patamar. O próprio governo de São Paulo estima que atingiremos esse índice de vacinação por volta do mês de novembro. Além disso, considerando as novas cepas do vírus e seu comportamento ainda incerto em relação às vacinas desenvolvidas, é necessário articularmos os dados de vacinação em massa da população com outros indicadores, como número de novos casos a cada 100 mil habitantes, por exemplo, que possam apontar para um controle efetivo da pandemia.
Deste ponto de vista, o pior caminho é considerarmos a vacinação como uma espécie de passaporte individual de imunização. A vacina não impede, individualmente, que as pessoas se contaminem, e muito menos que sigam transmitindo o vírus. A princípio, a vacina diminui as chances do desenvolvimento da forma grave da doença, mas mesmo isso não é totalmente descartado, como temos exemplos de vacinados com ciclo completo que ainda assim vieram a óbito.
Diante dos elementos expressos acima, consideramos prematura qualquer iniciativa de retorno presencial de aulas e de atividades administrativas e operacionais que não sejam absolutamente essenciais. Entendemos que a Universidade deve pautar suas decisões em um tema tão delicado nos pressupostos científicos, e na premissa política de preservação da vida! Estabelecer o retorno presencial neste momento seria sucumbir a pressões políticas dos governos, que podem ter como consequência o aumento do número de óbitos dos membros da universidade. Além da questão interna, é preciso considerar também que o retorno presencial das atividades presenciais na universidade causa impacto no aumento da circulação de pessoas nas cidades em que a USP está localizada, contribuindo, por essa via, para o agravamento geral da pandemia.
Por fim, consideramos que decisões que afetam, literalmente, a vida de milhares de pessoas da comunidade, não podem ficar a cargo apenas do Reitor, como já não podiam ficar a cargo do findado GT PRAA. Ao menos agora, com a dissolução do GT, a reitoria enfim admite que as decisões sobre o tema são também políticas. E, nesse sentido, reforçamos a reivindicação de que, antes de qualquer decisão, a reitoria abra um canal efetivo de diálogo com as entidades representativas de docentes, funcionários e estudantes. Consideramos que é necessário elaborarmos um Plano Sanitário e Educacional, com critérios científicos, e que seja discutido com toda a comunidade. As entidades representativas fizeram um esforço de elaboração de um documento base sobre o tema. Esperamos contar com o apoio das senhoras e senhores dirigentes de todas as unidades da USP para sensibilizar o reitor a abrir o diálogo democrático sobre a situação da pandemia na universidade! Mais uma vez reforçamos, o ano letivo pode ser recuperado, atividades não realizadas podem ser recuperadas, mas as vidas perdidas não! Se estão de Luto pela Vida, pedimos que também Lutem pela Vida neste momento ainda delicado que nos encontramos.
São Paulo, 9 de Agosto de 2021.
Diretoria Colegiada Plena do Sintusp