Prédio Central da FMRP (Fonte: USP Imagens pelo prof. Silvio Tuty, da FMRP – https://bit.ly/3hJzSsi)

“… nos locais em que o distanciamento não puder ser respeitado, orientamos, além da máscara facial obrigatória a todos, a utilização do face shield…”

Essa absurda orientação encerra o segundo comunicado da direção da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto (FMRP) que determinou a volta total ao trabalho presencial no dia 2 de agosto. Ao invés de afirmar que o distanciamento deve ser respeitado sempre, como requisito mínimo de segurança, a Faculdade que deveria defender a vida, aposta no “jeitinho” e no improviso pessoal para seguir em frente com seu apoio ao esdrúxulo plano de volta às aulas presenciais do governo Dória.

Os trabalhadores da FMRP são enfáticos ao afirmar que a maioria absoluta dos locais de trabalho não comporta a volta presencial com segurança devido a ventilação, já que quase nada foi adaptado em uma estrutura totalmente voltada para o ar condicionado. E falta espaço para acomodar as pessoas com o distanciamento mínimo recomendado na maioria dos locais de trabalho administrativo e nos laboratórios, ainda mais com presença de estudantes. Um dos pontos mais problemáticos é o pomposo Prédio Central, construção dos anos 50 do século passado. Não há banheiros em número suficiente nem local para alimentação. Isso sem falar nas especificidades das múltiplas funções ali exercidas. Imagine, por exemplo, um técnico que trabalha com microscópio usando uma face shield?

A solução apontada no comunicado da FMRP é agravada pelo fato de que os tais face shield foram distribuídos na unidade há mais de um ano e não há um local indicado onde possam ser trocados ou retiradas novas unidades. Idem para as máscaras. As que distribuíram, também há um ano, não daria nem para um dia normal de trabalho se as regras forem seguidas.

Como bons médicos que se espera, os dirigentes da FMRP deveriam levar em conta que a vacina individualmente não é uma garantia de imunização. Pela FMRP passam centenas, talvez milhares de pessoas dos mais diversos locais do país e de diversas partes do mundo. Será um ótimo ponto de encontro para o vírus e até para o surgimento de novas variantes do Corona.

E muitos, mesmo os imunizados, levarão o vírus para seus familiares que ainda não receberam a vacina, principalmente as crianças. Além desse risco, quantos casos já conhecemos de pessoas que tomaram as duas doses e mesmo assim tiveram a doença e até morreram?

Levar para o trabalho presencial quem poderia perfeitamente permanecer nesse momento com o trabalho remoto é um grande erro estratégico que pode custar muitas vidas. Ainda mais com essa revoltante indicação de uso de face shield onde “o distanciamento não puder ser respeitado”. Negacionismo puro e desprezo com a vida dos trabalhadores.

Pesquisa da própria FMRP mostra que direção da unidade está errada

Se numa ala da FMRP encontramos os negacionistas que pouco se importam com a vida dos trabalhadores, em outras estão pesquisadores que trabalham duro para vencer a pandemia. Da unidade saiu Dimas Covas, que dispensa apresentações e há pelo menos dois grupos com trabalhos avançados para produção de uma vacina própria para combater o Covid-19.

Além desses esforços um grupo de pesquisadores, em parceria com a Faculdade de Filosofia (FFCLRP) elaborou modelos matemáticos para entender a pandemia e ajudar os gestores a tomar decisões.

O próprio Jornal da USP (órgão oficial da Universidade) destacou o trabalho deste grupo em uma reportagem no mês de abril: “Professores da USP em Ribeirão Preto produzem novo documento sobre critérios para a reabertura da rede escolar” (veja em https://jornal.usp.br/campus-ribeirao-preto/professores-da-usp-em-ribeirao-preto-produzem-novo-documento-sobre-criterios-para-a-reabertura-da-rede-escolar/). Detalhe: o documento citado na reportagem foi elaborado a pedido do Ministério Público do Estado de São Paulo dentro do cenário atual da pandemia.

O problema é que a lógica científica contrariou a lógica política (ditada pela ganancia econômica) e poucos se importaram com os alertas que ainda hoje repete o professor Domingos Alves da FMRP (um dos autores do estudo mencionado). Em uma plenária virtual dos três setores da USP de Ribeirão Preto ele afirmou que o quadro ainda é bem incerto e que a volta como está sendo programada, tanto na USP, como na rede de Ensino Estadual é um crime. Falou ainda que basta observar o que acontece na Europa e tudo se repete por aqui em três ou quatro semanas. E o que vemos nesse momento no Velho Continente e também na América do Norte? A tal variante Delta elevando os números da pandemia mesmo onde há grande percentual de vacinados!

Se o Governador, o Diretor da FMRP e o Reitor não se importa com nossas vidas e com a vida dos nossos familiares, precisamos dizer bem alto para eles escutarem: NÓS SOMOS VIDAS E NÃO PEÇAS DE REPOSIÇÃO! RESPEITEM O TRABALHADOR!